domingo, 7 de fevereiro de 2010

Ádvenas do Quintal (1)

Por muito tempo venho tentando escrever esse texto. Para falar da experiência proporcionada pela monografia que finalizei junto com meus companheiros de trabalho Lucas Zenha, Igor Carneiro e Maximiler para a conclusão da nossa graduação em Geografia.

Posso dizer que foi uma experiência única, e que o engrandecimento pessoal foi tão ou mais importante que o engrandecimento acadêmico.

Para explicar um pouco, o nosso trabalho de conclusão do curso foi sobre uma comunidade quilombola, com foco principalmente no processo de titulação de suas terras. Passamos alguns dias na Comunidade Quilombola Água Preta de Cima (que a partir daqui aparecerá no texto como APC). Foram dias de muito trabalho, entrevistas, muitas conversas informais com os moradores, observações e etc...

Localizada no município de Ouro Verde de Minas, no Vale do Mucuri, bem próximo de Teófilo Otoni, a comunidade é muito pobre, bem como todo o município, e foi uma experiência única a vivência proporcionada por esses dias passados na comunidade.

Mas o que me chamou muito a atenção será relatado a seguir:

Numa das entrevistas realizadas para o nosso trabalho, um dos moradores da comunidade, o "cumpade" Manoel, ao responder a pergunta do que a comunidade representava para ele, respondeu de uma forma muito simples e muito bonita: " É o nosso quintal né? Todo mundo precisa de um quintal, pra plantá, colher, ver os passarinho cantá..."

De início não dei muita importância para a resposta dele, mas depois escutando a entrevista novamente eu fiquei impressionado, que de uma forma bem simples, do seu jeito, definiu muito bem a sua relação com o espaço da comunidade, com aquela terra. Muito melhor do que se eu tentasse durante horas dentro dos meus termos acadêmicos definir essa relação.

Ao definir a comunidade e seu espaço como o seu "quintal", o Manoel resumiu muito bem o sentimento de pertencimento para com a comunidade, e a importância daquele espaço para ele. Afinal de contas somente o seu quintal é capaz de construir uma relação tão forte assim! Onde ele foi criado e onde ele cria seus filhos!

Todo mundo se identifica com algum lugar, correto? Todos nós temos o nosso cantinho preferido, onde nos sentimos bem, onde reconhecemos e praticamos a nossa territorialidade. Enfim, o nosso lar, o nosso "quintal"!

O que é triste perceber é que esse dito quintal do cumpade Manoel e de tantas outras famílias da APC, em grande parte, já não é mais deles. O processo de ocupação da comunidade pelos remanescentes de quilombo é um processo histórico e legítimo, porém fortemente negligenciado. No caso da APC a ocupação daquele território data de mais de cem anos e diversas características do local indicam realmente a existência de um quilombo. Desde a distribuição espacial dos moradores até as caracteríticas físicas do local, encravado entre as montanhas, indicando uma fortaleza natural.

Como em diversas partes do país, a comuniade foi perdendo a luta contra os fazendeiros, grileiros, políticos, e etc. O território da comunidade hoje equivale talvez à metade do que era realmente ocupado em seus primórdios. A grande maioria dos moradores vivem na perversa realidade do minifúndio.

Os moradores tem seu quintal nas mãos de outras pessoas, e de forma cruel, essas pessoas não tem acesso a grande parte dele. As melhores terras para plantio, as "baixas" estão nas mãos dos fazendeiros, e nas terras que sobraram aos quilombolas é muito difícil cultivar alguma coisa.

Diante das dificuldades enfrentadas no campo, sem terra suficiente para plantar, sem grandes perspectivas de melhora, muitos vão para a cidade, viver longe do quintal, e passam a viver nas grandes cidades, com novas dificuldades, pois não possuem qualificação para se posicionar bem no mercadode trabalho urbano. Outros tantos vendem a força de trabalho para os fazendeiros do entorno a troco de mixaria.

Os poucos que possuem terra suficiente para plantio e pra uma vida minimamente digna, se é que possuem mesmo, são obrigados a ceder espaço em suas terras para não ver o irmão abandonado.

No final das contas temos um cenário assustador. O cumpade Manoel e tantos outros moradores da comunidade são estranhos ao seu Quintal! Essas terras não lhes pertence mais! Foram arrancadas de suas mãos pelo processo feroz e cruel qu ocorre em todo o Brasil de expulsão do tabalhador do campo! São estranhos ao seu próprio quintal, são intruos, forasteiros. Formam assim a trupe dos Ádvenas do Quintal!

Já imaginou a tristeza que é ver seu "quintal" nas mãos de outros, que talvez nem tenha uma relação com aquela terra além da relação econômica de acumulação de capital? Que talvez nem vá ao lugar, que talvez tenha aquela terra apenas como mais uma de tantas outras! Ver o seu lugar, ali tão perto de você e ao mesmo tempo tão inacessível, de forma que se você atravessar a cerca que separa você de seu quintal você é considerado um intruso, um invasor?

O cumpade Manoel quando disse que a comunidade representava o seu quintal definiu muito bem a relação que todos da APC possuem com aquela terra e que foi perdida a muito tempo, num processo cruel que foi formado no Brasil desde a lei de terras de 1850. Perdeu-se o verdadeiro valor da terra como fonte de sobrevivência e de contrução de uma identidade, de um território. A terra tornou-se simples mercadoria.

De momento é só, senão me alongarei demais no texto. Mas retornaremos ao assunto mais tarde! É um assunto que merece toda a atenção e toda a discussão...

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